Saturday, December 05, 1998

O Rio do Perfume, Vietnam


O Rio do Perfume situa-se no centro do País e atravessa Hué, a última cidade imperial do Vietnam. O seu nome deve-se provavelmente ao aroma das resinas e das ramagens de pinheiros e de coníferas que seria arrastado pela brisa ao longo do vale.
Na margem norte, a cidadela estende-se por trezentos hectares onde se contavam mais de duzentos edifícios entre palácios, templos, pavilhões de lazer e de cultura e edifícios administrativos e militares.
No centro deste recinto situavam-se os domínios privados do imperador: a Cidade Proibida Púrpura. O significado dos nomes das suas edificações são muito atraentes e cito alguns: o Palácio da Suprema Harmonia, o Terraço das Cinco Fénix, o Portão do Meio Dia, a Esplanada dos Rasgados Cumprimentos, o Pavilhão da Eterna Claridade, etc. Os dragões, os leões e as fénix abundam nos elementos decorativos.
Infelizmente, muito foi destruído pelas guerras e pela negligência do regime comunista durante esta metade do séc XX mas, após a sua classificação como Património Mundial pela Unesco em 1993, os trabalhos de reconstrução e de restauro parecem-me realizar-se com empenho e competência.
A cidade, muito encantadora, é atravessada por vários canais e braços de rio. O movimento de embarcações de transporte e de pesca é considerável. Muitas famílias ainda habitam nos seus barcos acostados uns aos outros no refúgio tranquilo dos canais.
Nas colinas de densa e viçosa vegetação a sul de Hué estão dispersos os mausoléus dos vários imperadores da dinastia Nguyen (1802-1945). É curioso notar que cada imperador planeou o seu com antecedência!
São complexos arquitectónicos, artísticos e paisagísticos muito interessantes pois procuram conjugar a harmonia da Natureza com o desenho e a disposição das edificações de acordo com critérios geomânticos ancestrais. Situam-se em parques verdejantes atravessados por canais e possuem lagos com lótus. Todos têm terreiros de cerimónias onde desfilam elefantes, cavalos, soldados e mandarins civis e militares esculpidos em pedra. Junto ao túmulo eleva-se um pavilhão contendo uma grande estela em mármore, apoiada sobre uma tartaruga, onde está gravada a biografia do imperador. Em redor dispõem-se templos, pequenos palácios, pavilhões de recreio e habitações de concubinas, criados e soldados.
O imperador Tu Duc construiu um complexo tão agradável que, quando foi terminado, resolveu aí habitar acompanhado das suas cento e quatro esposas e muitas concubinas, conduzindo daqui os negócios do País.
Gostei de visitar todos estes locais de bicicleta, aliás o modo de transporte do povo. É uma forma interessante de contactar com os nativos pois permite parar a todo o momento e fazer todos os desvios de percurso que entendemos.
Há outros mausoléus mais simples, carecendo de conservação e por isso raramente visitados, que não têm guardas. Estão muito decadentes e normalmente desertos.

Visitei o mausoléu de Tieu Thri e agradou-me ser o único visitante. Não encontrei vivalma no recinto excepto alguns nativos que passaram de bicicleta ou crianças que jogaram à bola no terreiro e se banharam no lago. O ambiente aqui é de grande tranquilidade e convida à meditação. Ficamos absorvidos pelo encanto de um imaginário de fausto e de requinte que ali ocorreram há muito tempo e cujos vestígios estão reflectidos na arquitectura e na arte.
Não se vêem muitos viajantes ocidentais no Vietnam e isso confere um sentimento de exclusividade muito especial à viagem. Os nativos olham-nos com surpresa e o seu interesse por nós ainda é só didáctico.
Se Hué é um esplêndido exemplo da arte e da cultura aristocrática vietnamita, o arquipélago de Halong é uma surpreendente obra da Natureza. São três mil ilhéus desertos, rochosos, cobertos de vegetação verdejante que formam um autêntico labirinto no meio das águas verde esmeralda do golfo de Tonkin. Atravessei de barco uma parte do arquipélago e fiquei assombrado com a extrema beleza da paisagem.
Há elegantes promontórios que se elevam dezenas de metros acima da superfície das águas, alguns com uma base muito estreita devido à constante erosão provocada pelo mar. O tempo e os elementos criaram múltiplas formas interessantes nos rochedos. Há inúmeras cavernas escavadas pelo mar que possuem várias entradas e onde vemos, na penumbra do seu interior, esplêndidas águas verde claras.
À medida que vamos navegando nestes canais vamos descobrindo uma enorme multiplicidade de pequenas enseadas com minúsculas praias desertas rodeadas de falésias a pique ou de vegetação verdejante que desliza suavemente sobre o areal. O sentimento de navegar entre estes rochedos é extasiante pois em cada minuto descobrimos novas paisagens de sonho. Fazem-nos lembrar velhas histórias de piratas, de esconderijos, de cavernas e de locais escondidos pela vegetação onde se guardam tesouros perdidos.
O arquipélago de Halong possui um ambiente verdadeiramente sublime para quem gosta de mar e de actividades aquáticas.
Cruzamos vários pequenos botes de pesca artesanal, normalmente tripulados por um casal onde se encontram também um ou dois filhos pequenos. Há também extensos viveiros de marisco junto aos quais os pescadores habitam em casas sobre palafitas.
A ilha principal, Cat Ba, é a maior e a única que possui uma povoação que é habitada, maioritariamente por pescadores. A sua baía é refúgio para centenas de barcos de pesca que a tornam bastante animada e pitoresca durante o dia, e muito cintilante à noite.
A maioria da superfície da ilha está protegida pelo Parque Nacional de Cat Ba. Aqui habita uma espécie muito rara de macaco asiático no meio da diversidade de cerca de setecentas espécies vegetais, das quais mais de
cem têm aplicação medicinal. Fiz um passeio a pé até ao cimo do monte mais alto donde pude apreciar um bonito panorama em redor por entre a leve névoa matinal. Admirei uma sucessão de ilhéus rochosos por entre os outros montes e constatei que praticamente toda a ilha está coberta por uma densa floresta semi-tropical.
Depois visitei as montanhas do noroeste do País, junto à fronteira com o Laos, para percorrer um itinerário a pé através das aldeias. A região é agradavelmente verdejante com florestas onde sobressaem enormes bambus e árvores muito viçosas de longas raízes superficiais.
Os aldeãos cultivam arroz, mandioca e chá em socalcos nos flancos das montanhas, utilizando engenhosos métodos de irrigação onde destaco as noras feitas de bambu. Também criam cavalos, búfalos, vacas e enormes porcos.
As suas casas são construídas de madeira sobre estacas e têm só um piso, sendo cobertas de colmo. É nelas que dormimos durante o percurso pedestre e onde teremos a interessante experiência de provar a gastronomia tradicional campesina.
Regressei com muito boas memórias do País, especialmente da simpatia e da hospitalidade deste povo cordial e sorridente, cada vez mais desejoso de comunicar com o exterior.

Gonçalo Velez
Nov 98

PS: Visite o site Rotas do Vento onde encontrará um programa com o itinerário que aqui descrevo.

Tuesday, March 31, 1998

As Botas para Caminhar

A escolha de umas botas nunca é uma tarefa fácil. Abstraindo de aspectos estéticos, deparamo-nos com a dificuldade de avaliar diversos tipos de materiais, de construção, de solas e de desenho. Os preços também variam muito, o que deixa o leigo bastante confuso.
As modernas botas para marcha, como tal, existem há menos de duas décadas. Até aí era usada uma versão ligeira das botas de alpinismo, em couro e com sola de borracha sulcada. Mas hoje, por um fenómeno de moda, fabrica-se uma enorme diversidade de modelos, muitos dos quais não têm aptidão para resistir a um tratamento árduo na montanha.
Assim, os atributos a procurar numas botas novas para uma utilização todo-o-terreno resumem-se a:
a) Conforto. A sua forma interior deve estar bem adaptada ao pé. Há marcas que fabricam modelos diferentes seja para pés estreitos ou para pés largos. O tamanho da bota deve ser um ou meio número superior ao normal pois deve considerar que após umas horas de marcha o pé incha. É suficiente usá-las com um par de meias espessas. Todos temos um pé maior que o outro, por isso concentre-se no seu pé grande quando estiver a ensaiá-las. Quando apertar os atacadores, os calcanhares devem manter-se imóveis atrás — se chutar com força contra uma parede, não deve sentir os dedos a embaterem no extremo da bota. Quanto maior for o número de presilhas (crochets) para os atacadores, melhor você conseguirá ajustar a bota ao seu pé. As botas tradicionais têm, em média, cinco de cada lado na zona do pé (incluindo um par estrangulador), mais três pares a subirem o tornozelo. Não aperte demasiado os atacadores pois pode diminuir a circulação nos pés — se sentir os pés gelados no Inverno experimente afrouxar os atacadores.
De igual forma, os movimentos transversais do pé devem ser mínimos. Todo o atrito repetido ao longo de várias horas poderá provocar bolhas, sobretudo se ainda não estiverem formados calos nessas zonas do pé.
Uma maior espessura da sola de borracha oferece um melhor isolamento do frio que é transmitido pelo solo, além de oferecer um melhor amortecimento ao choque.
O couro ainda é o material nobre por excelência, e as boas botas são construídas sem costuras laterais, à excepção do acabamento no calcanhar e no contacto com a sola.
Há modelos cujo interior é revestido de uma película impermeável, o que encarece sobremaneira as botas. Em nossa opinião, essa película é dispensável. Se chover ou se a erva estiver encharcada, as calças acabarão por escorrer.
b) Protecção. A bota deve subir acima do tornozelo para o proteger de entorses. As botas de couro com 2-3mm de espessura oferecem uma boa rigidez geral, não só ao nível do tornozelo como para todo o pé, com destaque para os dedos. Hoje é mais vulgar encontrarem-se materiais sintéticos e sucedâneos, mais baratos do que o couro. Esse tipo de rigidez é um factor importante. Não é raro necessitarmos de dar largos saltos ou de descermos declives íngremes com consequências que muitas vezes não controlamos bem. Uma espessura equivalente também oferece um bom isolamento do frio.
c) Segurança. No decurso de uma escalada nos anos trinta, o alpinista italiano Vitale Bramani assistiu à queda e consequente morte de um amigo quando atravessavam, desencordados, uma zona de rocha fácil, mas molhada e escorregadia. Muito perturbado, Vitale jurou que algo tinha de fazer para se evitarem acidentes desnecessários deste tipo. Pouco depois inventou uma sola de borracha que ainda hoje é a referência mundial e que equipa todas as botas de alpinismo e a maioria das botas de marcha: a sola Vibram. Para testar e comparar o grau de aderência de solas diferentes, faça pressão com a sua unha a 45º sobre a superfície da borracha lisa.
Alem de boa aderência, uma sola deve possuir um certo grau de rigidez, sobretudo transversal, para que, em descidas íngremes, possa travar com as arestas em técnica idêntica à do ski na neve. Uma rigidez adequada também lhe oferece maior conforto por não sujeitar o pé a todas as irregularidades do solo.
d) Resistência e durabilidade. Estes são factores difíceis de avaliar, mesmo para um especialista. O conhecimento das marcas é muito relevante, sobretudo as suas experiência e tradição a fabricar botas de alpinismo, um domínio muito mais exigente. Os materiais empregues contam muito: compare diferentes modelos e privilegie a resistência e a rigidez. Tenha em mente de que as suas botas poderão ter de sofrer um tratamento implacável.
Quanto maior for o número de costuras, menos impermeável a bota será e mais pontos fracos haverá. Um facto muito irritante é saltar uma presilha, o que é irreversível.
As botas tradicionais em couro representaram sempre um bom investimento por que possuem as melhores características do que se referiu acima, alem de durarem dezenas de anos. Por isso, foi sempre vulgar a troca das solas quando estas se gastam. Actualmente, muitos dos fabricantes aplica às botas de marcha um tipo de solas que não é substituível. Conhecemos pessoas que ao fim de um ano de actividade gastaram as suas solas, embora o restante material se conservasse como novo!
Conclusão. Quando decidir comprar umas botas visite varias lojas da especialidade e compare múltiplos modelos. Faça todo o tipo de perguntas aos vendedores e exija respostas concretas. Se não souberem responder-lhe de forma credível vá comprar a outro sítio. Depois participe em várias caminhadas, observe os modelos que as outras pessoas usam e faça-lhes perguntas. Avalie a frequência com que pensa utilizar as botas. Disso dependerá também a grandeza do seu investimento.
Depois disto, já terá uma opinião formada.
Após comprar umas botas tenha em mente que elas necessitam de se moldar ao pé.. É possível que nas primeiras duas ou três saídas elas lhe causem bolhas. Por isso, não esqueça que antes de partir para uma viagem deve testá-las. Dado que o atrito se dá normalmente no calcanhar, poderá colar um adesivo largo ao longo dessa zona (e/ou noutras) durante o período de adaptação. Caso lhe apareça uma bolha, nunca arranque a pele. Faça-lhe um pequeno corte para extrair o liquido e manter a bolha vazia. A pele da bolha secará protegendo ao mesmo tempo a pele nova que lhe dará lugar.
Outro contratempo que lhe poderá surgir no decurso de uma viagem é encharcar o interior das botas após uma chuva. A solução é usá-las com um a dois pares de meias de lã (de polipropileno será melhor) e esticá-las o mais possível fora da bota para que a evaporação por capilaridade se dê. Se tiver meias de reserva vá trocando as húmidas pelas secas.
Talvez você esteja a estranhar não termos mencionado um aspecto muito importante que nenhum montanheiro descuraria: o peso. As botas ideais, de acordo com o mencionado acima, não podem ser as mais leves. Pelo que lhe expusemos, é preferível aceitar um maior peso nos pés para termos a garantia de que o conforto, a segurança na marcha, a protecção dos tornozelos e tudo o mais que mencionámos, serão maiores. Por isso deixámos este aspecto para o fim e o referimos como meramente secundário.