Thursday, June 08, 2000
A Protecção do Frio
Por outro lado, nunca investimos seriamente no conforto tendente a proteger-nos do frio e por esse motivo sofremos.
O inverno em Portugal dura tão pouco...
Quantos estabelecimentos públicos encontramos aquecidos durante o inverno? Quantas torneiras em lavatórios nesses locais deitam água quente? Inclusive, para nosso infortúnio, muitas dessas casas têm as portas abertas para a rua! As nossas próprias habitações também são pouco adequadas, do ponto de vista da técnica e dos materiais, para nos isolar eficazmente dos calafrios.
Por estes motivos sofremos com o frio e dele temos má memória. No entanto, o ar frio poderá ser mais saudável pois é mais seco e mais convidativo ao exercício e à actividade. E afinal, os desportos de inverno são um grande prazer para muitos.
O princípio da protecção do frio é o isolamento:
Por um lado, a roupa que usamos não deve deixar entrar ar frio. As mangas das camisolas devem estar justas aos pulsos e as calças devem apertar no tornozelo. O mesmo se aplica à gola e ao acabamento da cintura.
Por outro, a roupa que vestimos deve ser capaz de conservar uma camada de ar quente junto ao corpo. Quanto mais intenso for o frio mais espessa deve ser essa camada que pode ser composta por três a cinco peças de roupa: desde a camisola interior térmica ao casaco impermeável ou casaco forrado, que em último caso poderá ser um espesso casaco de plumas.
Ao invés, há quem julgue erradamente que um bom impermeável aquece só pelo motivo de que não deixa entrar o vento!
Nenhuma roupa aquece pois quem o faz é a energia do nosso corpo. A função dos agasalhos é a de conservar o mais possível esse calor junto ao corpo. Para isso é necessário recorrer a fibras e a materiais que sejam densos para que conservem o ar quente. A construção do agasalho não deve permitir que esse ar quente escape. Um exemplo contrário deste aspecto é a camisola de lã que, sujeita ao efeito do vento, deixa de oferecer protecção.
A lã tem sido tradicionalmente a fibra de eleição em todos os continentes, só recentemente começando a ser substituída. Hoje já se vulgarizaram diversas fibras sintéticas que são muito confortáveis e têm alta densidade, além de que são leves, muito rápidas a secar e fornecem equivalente grau de respirabilidade. Todos estes factores destronam a lã...
O material tradicional que ainda não foi ultrapassado em desempenho é a penugem de ganso e que serve para forrar casacos e sacos cama. As suas leveza, compressibilidade e conforto mantêm-se imbatíveis.
Há outro factor fundamental para que a protecção do frio seja eficaz: é primordial manter uma boa circulação do sangue.
Muitas vezes no campo ouvimos pessoas queixarem-se de que têm os pés gelados. Todas são aconselhadas a afrouxar os atacadores e passados alguns minutos de exercício quase todas começam a sentir calor nos pés pois a circulação normalizou-se. Quem o não sente ou tem as meias molhadas (na véspera teve o cuidado de secar as meias?) ou as botas demasiado justas. O mesmo se aplica às luvas, não só à pressão que possa ser exercida nos pulsos por um elástico muito apertado, como também na base dos dedos nos casos em que as luvas têm costuras volumosas ou estão muito justas à mão.
Há outro aspecto importante que se descura frequentemente que é a protecção da cabeça. Esta tem uma superfície muito grande e por lá perdemos muita energia. Devemos manter a cabeça sempre coberta com um barrete que nos cubra desde a testa à nuca. Se acampamos, é recomendável conservar o barrete durante as 24h do dia.
O mecanismo de sobrevivência que o nosso organismo utiliza em situações críticas de frio é o da selectividade. Os órgãos para os quais o fluxo de sangue acorre com maior prioridade são o cérebro, os pulmões e órgãos principais alojados no tronco. Os que ele sacrifica em favor destes são as extremidades: mãos e pés.
O seguinte exemplo é plausível: imagine que anda a passear ao ar livre de mãos calçadas com luvas de lã e a cabeça descoberta, exposta ao vento frio. Seria estranho sentir frio nas mãos, mas é verdade. Mas se cobrir a cabeça verá que em pouco tempo a sensação de frio nas mãos diminui. Porquê? Havia uma grande quantidade de energia desperdiçada que era utilizada para proteger a cabeça. Após cobri-la, essa energia já pode ser distribuída por outras partes do corpo onde seja mais necessária.
Recomendamos, por último, que adquira equipamento de qualidade pois no momento em que estiver a viver condições difíceis irá agradecer-se francamente a boa decisão que tomou!
Thursday, March 16, 2000
Patagónia e Terra do Fogo, Argentina e Chile
Daqui parte-se para o parque nacional das Torres del Paine, o que mais me entusiasmou em toda a viagem. No caminho vamos observando bandos de guanacos (espécie de lamas) que são muito dóceis, e flamingos e cisnes nos lagos. A paisagem da Patagónia é uma planície de estepe desértica onde os horizontes são muito vastos, com gargantas cavadas por rios revoltos e elevadas mesetas talhadas pela intempérie. De vez em quando vê-se ao longe um oásis de arvoredo verdejante e percebe-se que aí se situa uma estancia. As estradas são de terra batida e detectam-se outros veículos ao longe pela coluna de poeira que levantam. Os veículos são equipados de uma rede de metal que lhes protege o pára-brisas. Frequentemente detectam-se sobre alguma colina os gaúchos a cavalo que vigiam as ovelhas de pelo longo e espesso.
A flora do parque de Paine é muito variada, florida e colorida em meados de Dezembro. Abundam os lagos, os ribeiros, as torrentes e as cascatas, algumas caem do alto dos rochedos. Há uma grande diversidade de agulhas rochosas e de formações geológicas admiráveis de que destaco as elegantes Torres del Paine, que ilustram a capa do catálogo deste ano, e os formidáveis Cuernos del Paine. A visão destes acompanhar-nos-á durante várias etapas de marcha.
Sempre imaginei que o clima sub-ártico destas paragens deveria ser muito frio. Mas durante a minha estadia gozei sempre de um sol radioso e caminhei em manga curta. Também sabia que as condições meteorológicas poderiam ser radicais e estava curioso em saber de que forma.
Um dia apanhei um vento tão forte como jamais tinha sentido! Caminhava ao longo do lago Nordenskjöld, felizmente com o vento pelas costas, e frequentemente era empurrado (às vezes erguido) para fora do carreiro. O vento levantava as águas da superfície do lago e elevava-as em nuvens que avançavam por terra dentro. Só no intervalo das rajadas era possível fotografar sem tremer, mas mesmo assim tinha de apoiar-me num rochedo.
O lago Grey está situado num sector em que o vento parece nunca abrandar. Tem um refúgio na margem donde apreciamos inúmeros pitorescos icebergs vogando para sotavento. É formado pelas águas do imenso e longo glaciar Grey que flúi para o lago e vai largando grandes blocos de gelo.
Estava apreciando o fim de tarde na margem do lago quando passou uma raposa caminhando tranquilamente mirando em redor.
É aliciante a longa duração dos dias nestas paragens: nesta época o dia dura 18h e o crepúsculo dá-se lá para as 22h! Desta forma os dias longos aproveitam-se muito melhor.
Visitei depois o parque de los Glaciares onde realizei duas etapas de marcha para aproximar-me das várias esplêndidas agulhas dos sectores dos montes Fitz Roy e Cerro Torre que se elevam acima dos seus glaciares. Ambas possuem bonitos lagos de cor verde que são alimentados pelos gelos.
Esta cumeada situa-se no limite do conhecido Hielo Continental de que o glaciar Perito Moreno é uma monstruosa amostra. Iremos até ao mirante donde se aprecia a sua colossal estrutura com mais de sessenta metros de altura e onde poderemos ter a sorte de ver a derrocada de algum grande bloco de gelo que cai na água com estrondo.
A fauna deste parque é variada e vi inúmeros casais de gansos (cauquéns) e de patos, muitos com crias, nos lagos à beira do carreiro. Durante a descida da Laguna de los Tres tive um encontro muito interessante com um grande pica-pau patagónico macho, de cabeça escarlate. Deixou-me observá-lo e fotografá-lo a cinco metros de distância durante o tempo que eu quis enquanto bicava um tronco de árvore tombado à procura de larvas. Também vi alguns majestosos condores planando nos ares em busca de presas.
Acima de tudo, o que mais me surpreendeu na Patagónia foi o céu: vasto e muito luminoso, o ar límpido, as nuvens impelidas pelo vento e em constante mutação dando-lhe múltiplas e curiosas formas.
O voo que nos leva a Ushuaia na Terra do Fogo atravessa um território inóspito e despovoado, com imensas florestas, lagos e montanhas onde se vêem alguns glaciares descendo dos seus flancos.
Esta vila no fim do Mundo está envolta em cumes nevados e é muito panorâmica. O canal Beagle atravessa o continente à sua frente e dá-lhe um amplo desafogo e uma tremenda luminosidade.
Ushuaia começou por ser terra de degredo, cuja penitenciária está transformada em museu. A seguir vieram os pioneiros: madeireiros, mineiros e pescadores. O clima é muito agreste e rigoroso e as comunicações são muito difíceis. Comprei um curioso mapa que assinala os naufrágios naquelas costas desde o séc XVII e os seus ícones contam-se às muitas dezenas. Não é por acaso que os ventos na região são conhecidos por the roaring forties. A vida aqui é muito difícil sobretudo durante o inverno austral.
Naveguei no canal até aos ilhéus que estão a meio e onde existem colónias de lobos marinhos. São várias as dezenas de animais que jazem sobre os rochedos, comprimidos uns contra os outros, normalmente de ventre para o ar. As gaivotas esvoaçam por entre eles à procura de restos de peixe. Às vezes vê-se passar um pinguim nadando, possivelmente migrando para outro ilhéu. Desembarcámos e fomos conhecer alguma da sua interessante flora endémica e estivemos bastante tempo a observar e a fotografar uma colónia de cormorans que nidificam numa falésia ao abrigo do vento.
Percorri o caminho costeiro do parque da Tierra del Fuego através de uma Natureza bem conservada e nada perturbada. Passei por curiosas zonas alagadas devido aos diques construídos pelos castores onde muitas árvores foram por eles derrubadas. Numa dessas clareiras estive observando uma enorme colónia de chimangos, uma ave de rapina aparentada à águia, e que também não se perturbaram com a minha presença.
Percorri a pé um bom troço ao longo do rio Lapataia e pude constatar que as aves lacustres abundam em quantidade e em variedade. É um grande prazer ver garças debicando o lodo da margem, bandos de patos levantando voo ou as gaivotas que buscam crustáceos.
Você não poderá abandonar a Argentina sem experimentar o maté. Esta espécie de chá exclusivo do País é preparado em recipientes próprios, normalmente uma cabaça, e sugado por uma palhinha, a bombilla. Tomar um maté é essencialmente participar num ritual social muito enraízado na cultura argentina em que se partilha uma bebida quente e confortante de sabor acre. Se vir as pessoas no autocarro, na praia ou caminhando na rua com um termos na mão saberá que essa água servirá para preparar um maté.
Gonçalo Velez
PS: Consulte os programas de viagem nas Patagónia e Terra do Fogo em www.rotasdovento.com
Monday, January 10, 2000
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Last updated: 2010, January 10
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