Daqui parte-se para o parque nacional das Torres del Paine, o que mais me entusiasmou em toda a viagem. No caminho vamos observando bandos de guanacos (espécie de lamas) que são muito dóceis, e flamingos e cisnes nos lagos. A paisagem da Patagónia é uma planície de estepe desértica onde os horizontes são muito vastos, com gargantas cavadas por rios revoltos e elevadas mesetas talhadas pela intempérie. De vez em quando vê-se ao longe um oásis de arvoredo verdejante e percebe-se que aí se situa uma estancia. As estradas são de terra batida e detectam-se outros veículos ao longe pela coluna de poeira que levantam. Os veículos são equipados de uma rede de metal que lhes protege o pára-brisas. Frequentemente detectam-se sobre alguma colina os gaúchos a cavalo que vigiam as ovelhas de pelo longo e espesso.
A flora do parque de Paine é muito variada, florida e colorida em meados de Dezembro. Abundam os lagos, os ribeiros, as torrentes e as cascatas, algumas caem do alto dos rochedos. Há uma grande diversidade de agulhas rochosas e de formações geológicas admiráveis de que destaco as elegantes Torres del Paine, que ilustram a capa do catálogo deste ano, e os formidáveis Cuernos del Paine. A visão destes acompanhar-nos-á durante várias etapas de marcha.
Sempre imaginei que o clima sub-ártico destas paragens deveria ser muito frio. Mas durante a minha estadia gozei sempre de um sol radioso e caminhei em manga curta. Também sabia que as condições meteorológicas poderiam ser radicais e estava curioso em saber de que forma.
Um dia apanhei um vento tão forte como jamais tinha sentido! Caminhava ao longo do lago Nordenskjöld, felizmente com o vento pelas costas, e frequentemente era empurrado (às vezes erguido) para fora do carreiro. O vento levantava as águas da superfície do lago e elevava-as em nuvens que avançavam por terra dentro. Só no intervalo das rajadas era possível fotografar sem tremer, mas mesmo assim tinha de apoiar-me num rochedo.
O lago Grey está situado num sector em que o vento parece nunca abrandar. Tem um refúgio na margem donde apreciamos inúmeros pitorescos icebergs vogando para sotavento. É formado pelas águas do imenso e longo glaciar Grey que flúi para o lago e vai largando grandes blocos de gelo.
Estava apreciando o fim de tarde na margem do lago quando passou uma raposa caminhando tranquilamente mirando em redor.
É aliciante a longa duração dos dias nestas paragens: nesta época o dia dura 18h e o crepúsculo dá-se lá para as 22h! Desta forma os dias longos aproveitam-se muito melhor.
Visitei depois o parque de los Glaciares onde realizei duas etapas de marcha para aproximar-me das várias esplêndidas agulhas dos sectores dos montes Fitz Roy e Cerro Torre que se elevam acima dos seus glaciares. Ambas possuem bonitos lagos de cor verde que são alimentados pelos gelos.
Esta cumeada situa-se no limite do conhecido Hielo Continental de que o glaciar Perito Moreno é uma monstruosa amostra. Iremos até ao mirante donde se aprecia a sua colossal estrutura com mais de sessenta metros de altura e onde poderemos ter a sorte de ver a derrocada de algum grande bloco de gelo que cai na água com estrondo.
A fauna deste parque é variada e vi inúmeros casais de gansos (cauquéns) e de patos, muitos com crias, nos lagos à beira do carreiro. Durante a descida da Laguna de los Tres tive um encontro muito interessante com um grande pica-pau patagónico macho, de cabeça escarlate. Deixou-me observá-lo e fotografá-lo a cinco metros de distância durante o tempo que eu quis enquanto bicava um tronco de árvore tombado à procura de larvas. Também vi alguns majestosos condores planando nos ares em busca de presas.
Acima de tudo, o que mais me surpreendeu na Patagónia foi o céu: vasto e muito luminoso, o ar límpido, as nuvens impelidas pelo vento e em constante mutação dando-lhe múltiplas e curiosas formas.
O voo que nos leva a Ushuaia na Terra do Fogo atravessa um território inóspito e despovoado, com imensas florestas, lagos e montanhas onde se vêem alguns glaciares descendo dos seus flancos.
Esta vila no fim do Mundo está envolta em cumes nevados e é muito panorâmica. O canal Beagle atravessa o continente à sua frente e dá-lhe um amplo desafogo e uma tremenda luminosidade.
Ushuaia começou por ser terra de degredo, cuja penitenciária está transformada em museu. A seguir vieram os pioneiros: madeireiros, mineiros e pescadores. O clima é muito agreste e rigoroso e as comunicações são muito difíceis. Comprei um curioso mapa que assinala os naufrágios naquelas costas desde o séc XVII e os seus ícones contam-se às muitas dezenas. Não é por acaso que os ventos na região são conhecidos por the roaring forties. A vida aqui é muito difícil sobretudo durante o inverno austral.
Naveguei no canal até aos ilhéus que estão a meio e onde existem colónias de lobos marinhos. São várias as dezenas de animais que jazem sobre os rochedos, comprimidos uns contra os outros, normalmente de ventre para o ar. As gaivotas esvoaçam por entre eles à procura de restos de peixe. Às vezes vê-se passar um pinguim nadando, possivelmente migrando para outro ilhéu. Desembarcámos e fomos conhecer alguma da sua interessante flora endémica e estivemos bastante tempo a observar e a fotografar uma colónia de cormorans que nidificam numa falésia ao abrigo do vento.
Percorri o caminho costeiro do parque da Tierra del Fuego através de uma Natureza bem conservada e nada perturbada. Passei por curiosas zonas alagadas devido aos diques construídos pelos castores onde muitas árvores foram por eles derrubadas. Numa dessas clareiras estive observando uma enorme colónia de chimangos, uma ave de rapina aparentada à águia, e que também não se perturbaram com a minha presença.
Percorri a pé um bom troço ao longo do rio Lapataia e pude constatar que as aves lacustres abundam em quantidade e em variedade. É um grande prazer ver garças debicando o lodo da margem, bandos de patos levantando voo ou as gaivotas que buscam crustáceos.
Você não poderá abandonar a Argentina sem experimentar o maté. Esta espécie de chá exclusivo do País é preparado em recipientes próprios, normalmente uma cabaça, e sugado por uma palhinha, a bombilla. Tomar um maté é essencialmente participar num ritual social muito enraízado na cultura argentina em que se partilha uma bebida quente e confortante de sabor acre. Se vir as pessoas no autocarro, na praia ou caminhando na rua com um termos na mão saberá que essa água servirá para preparar um maté.
Gonçalo Velez
PS: Consulte os programas de viagem nas Patagónia e Terra do Fogo em www.rotasdovento.com
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